São muitos os mitos associados ao limão que circulam nas redes sociais, em blogues e até na comunicação social, como a ideia de que começar o dia com água morna e sumo de limão ajuda a emagrecer ou de que usar umas gotas de limão no café acelera o metabolismo e potencia a perda de peso.

Recentemente, têm circulado nas redes sociais publicações com a alegação de que o limão mata células cancerígenas e é mil vezes mais eficaz do que a quimioterapia.

De acordo com este post, um preparado feito com sumo de limão e bicarbonato de sódio bebido diariamente é, supostamente, o suficiente para matar as células cancerígenas de 12 tipos de cancro, mil vezes mais forte do que a quimioterapia e tem a capacidade de atuar apenas sobre as células malignas, sem danificar as células saudáveis.

Esta informação é ainda assinada por um centro de investigação em Baltimore, nos Estados Unidos da América (EUA), o Instituto de Ciências da Saúde. Esta instituição é credível? Há fundamento científico para a ideia de que o limão mata células cancerígenas e é mil vezes mais eficaz do que a quimioterapia?

Limão mata células cancerígenas e é 10 mil vezes mais eficaz do que a quimioterapia?

Em declarações ao Viral, o especialista em Oncologia Médica no Centro Clínico Oncológico de Lisboa (SAMS) e aluno do doutoramento com projeto em cancro da próstata da Universidade Católica Portuguesa João Vasco Barreira defende que “não existe qualquer evidência científica que suporte” a ideia de que o limão mata células cancerígenas e é 10 mil vezes mais eficaz do que a quimioterapia.

O médico argumenta que, para chegar a esta conclusão, seria preciso “atravessar todo um processo multidisciplinar de ensaios clínicos rigorosos para podermos tirar conclusões”, algo que não foi feito até ao momento. Assim, esta alegação “não pode ser corroborada cientificamente”, diz.

Quanto aos artigos que circulam na internet sobre este tema e em relação à validade científica da instituição americana citada nestas publicações, João Vasco Barreira acrescenta que “milagre e ciência na mesma frase já é motivo para desconfiar” e, por isso, aconselha as pessoas a “serem proativas na seleção da fonte de informação” que consomem.

Como funciona a quimioterapia?

A quimioterapia é um dos procedimentos mais comuns para o tratamento de diferentes tipos de cancro. Este método “consiste na administração de fármacos” como taxanos, platinos ou fluoropirimidinas que “destroem as células cancerígenas” ao interferir com o processo de crescimento e multiplicação celular, expõe o oncologista.

Ao mesmo tempo, a quimioterapia também evita que as células cancerígenas se espalhem para outras partes saudáveis do corpo. 

No entanto, este processo não é exclusivamente dirigido às células malignas do cancro e os fármacos administrados “podem afetar não só as células cancerígenas como também as saudáveis”, sublinha a Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO) num artigo sobre o tema publicado no site do SNS24.

Não obstante, o oncologista ouvido pelo Viral lembra que, “antes de um fármaco estar disponível no mercado, é feita uma análise de riscos e benefícios” e a aprovação só acontece quando os benefícios são superiores aos riscos.

Na mesma ótica, a SPO destaca que, atualmente, “existem fármacos que provocam menos efeitos adversos” e que já se encontram “disponíveis medicamentos eficazes que ajudam a aliviar esses efeitos”, lê-se no balcão digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Assim, os efeitos adversos surgem porque “a quimioterapia atua sistemicamente” e podem manifestar-se de múltiplas formas uma vez que “dependem geralmente do mecanismo de ação de cada grupo de fármacos” administrados. 

Os sintomas mais comuns são as náuseas, os vómitos, o cansaço e a febre, mas também há consequências da “toxicidade cutânea com uma expressão muito versátil”, descreve o especialista ouvido pelo Viral, tais como alopécia (queda de cabelo), xerose (pele e olhos secos), fissuração resultante da pele seca, etc.

Como é feita a escolha do tratamento para o cancro?

Quando, através dos diferentes meios de diagnóstico, é detetado um tumor (neoplasia), segue-se a escolha do tratamento mais adequado para cada doente.

Este processo é feito de forma personalizada, ou seja, “de acordo com o tipo de características do tumor, da pessoa, e de um conjunto de fatores a discutir em sede multidisciplinar com todos os profissionais que intervêm na jornada do doente oncológico”, lembra João Vasco Barreiro.

O especialista em Oncologia Médica sublinha que atualmente “existem cada vez mais armas terapêuticas dirigidas e estas passam não só pela cirurgia, quimioterapia e radioterapia, mas também por hormonoterapia, imunoterapia e terapia alvo”.

Assim, em casos de suspeita de algum tumor, o ideal é “falar com o médico de família ou com o médico assistente” uma vez que “antecipação é a chave para que a suspeita possa ser confirmada e seja dado seguimento à complexa jornada do doente oncológico”.

Apesar de não haver evidência científica de que o limão mata células cancerígenas e é 10 mil vezes mais eficaz do que a quimioterapia, vários trabalhos científicos tentaram compreender os efeitos do limão no tratamento do cancro. Exemplo disso é um ensaio clínico feito em 2021 que analisou o impacto da aplicação de um spray de sumo de limão e mel em pacientes com cancro de cabeça e pescoço a fazer radioterapia. 

O objetivo era perceber se este spray podia ser útil para aliviar a mucosite oral, uma inflamação aguda na mucosa que aparece como consequência da quimioterapia ou radioterapia. 

Assim, os investigadores compararam os efeitos deste spray com os da benzidamina, um analgésico e anti-inflamatório, ao longo de cinco dias em dois grupos. Não foram encontradas diferenças significativas no alívio dos sintomas entre quem recebeu o spray de limão e os pacientes que tomaram benzidamina.  

Outros estudos analisaram o potencial anticancerígeno de extratos de limão para tipos específicos de cancro, como o do estômago, mas tratam-se de ensaios clínicos feitos in vitro e que sugerem o potencial destes extratos como aliados à terapia, não comprovando que o limão mata células cancerígenas e é 10 mil vezes mais eficaz do que a quimioterapia.